Artigo: O que é Neuropsicologia?

Artigo: O que é Neuropsicologia?

*Julia Youssef Kuczynski

Disciplina de interface entre a neurologia e a psicologia, sua história começa desde muito cedo, na época do Antigo Egito (3000 a.C.) quando já havia registros de lesões cerebrais e comprometimentos cognitivos relacionados a estas, como alteração de linguagem, de fala e de comportamento. Apesar disto, os achados não recebiam o nome de Neuropsicologia. Da mesma forma, outros povos especulavam sobre a relação entre mente e cérebro, como Cláudio Galeno, médico que estudou ferimentos de guerra e percebeu a relação entre lesões no crânio e danos de funções cognitivas. No entanto, apenas no século XIX, com os estudos dos localizacionistas Franz Gall e Paul Broca que áreas do cérebro foram associadas a funções mentais específicas. Esta teoria concorria com a do globalismo, que defendia a ideia de que as funções estariam espalhadas pela massa encefálica, sem estar em uma região específica. Atualmente, prevalece a teoria de que cada região trabalha com uma função mental especializada, apesar de não podermos afirmar que há uma delimitação absoluta.

Atribui-se ao psicólogo Donald Olding Hebb (1904–1985) o nascimento do termo neuropsicologia, definida como “o campo da ciência que estuda as relações entre as funções psíquicas, comportamentais e o cérebro, visando estabelecer correlações de base funcional e topográfica” (Barbizet e Duizabo, 1985; Mader, 2001; Lezak, 2004).

No Brasil, os primeiros estudos na área foram publicados em 1950, pelo neuropediatra Antonio Frederico Lefèvre, sobre a psicopatologia da afasia (alteração de linguagem) em crianças. Outros autores deram continuidade a seus estudos e chegaram a criar o primeiro serviço de neuropsicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1971. No entanto, foi apenas em 2004 que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) reconheceu a neuropsicologia como especialidade da psicologia.

A partir destes dados históricos, podemos então dar o próximo passo para pensar: qual é o seu objetivo?

A neuropsicologia trouxe muitos esclarecimentos no que diz respeito ao funcionamento do cérebro, tendo como base indivíduos considerados “normais”. Como diferenciá-los, uma vez que o conceito de normalidade é relativo? Para isso, foram realizados inúmeros estudos e pesquisas com sujeitos de diferentes faixas etárias e escolaridades, com ou sem lesão cerebral, com ou sem síndromes genéticas, para então se criar um modelo comparativo, isto é, o que se espera de um indivíduo com a sua idade e com sua escolaridade, dentro do seu contexto sociocultural. Deste modo, observou-se, por exemplo, que uma criança que não tenha falado até completar um ano de idade está dentro do esperado para seu desenvolvimento neuropsicomotor; o que já não é esperado para uma criança com dois anos. Porém, diversos

fatores podem influenciar na aquisição da linguagem e algumas perguntas se fazem necessárias. Esta criança foi devidamente estimulada? Como é sua saúde física? Qual o idioma utilizado pelos pais ou há mais de um idioma usado para conversar com a criança? O mesmo ocorre nas demais etapas de desenvolvimento e é por isso que cada informação é imprescindível ao se traçar o perfil de um sujeito.

Como é uma avaliação neuropsicológica?

O paciente procura o profissional motivado por uma queixa, que será investigada a fundo, a fim de colher informações de dados de história pessoal e familiar, bem como desempenho prévio e pós queixa. Então uma bateria de instrumentos é selecionada pelo neuropsicólogo, buscando mensurar cada função cognitiva e então estabelecer um perfil de desempenho, que contenha habilidades e dificuldades apresentadas por este paciente. A escolha de tais instrumentos é feita a partir da queixa relatada e deve estar de acordo com a padronização e normatização brasileira, isto é, os testes devem ser aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia para garantir sua validação.

Somado aos dados de anamnese e aos testes aplicados, o profissional também utilizará informações de exames clínicos e de imagem (como Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética do Crânio) solicitados pelo médico, para identificar alterações que justificariam a queixa do paciente e seus resultados qualitativos e quantitativos. Muitas vezes, embora não haja alterações na imagem, o sujeito pode apresentar déficits capazes de interferir na sua vida diária. Por este motivo, a anamnese, os testes e os exames não são suficientes em si, mas fornecem muitas informações importantes quando analisados em conjunto.

Neuropsicologia

Uma vez realizada a avaliação neuropsicológica, é possível confirmar ou descartar a hipótese diagnóstica inicial. Havendo necessidade de tratamento, o profissional cuidará de fazer os devidos encaminhamentos. Podem ser eles: reabilitação neuropsicológica, na qual o próprio avaliador pode dar continuidade ou acompanhamento por outros profissionais da saúde e suas respectivas especialidades, como fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicoterapeuta, médico, entre outros. Apesar de capacitado para avaliar os pacientes, o neuropsicólogo não está apto a medicar, a menos que também tenha formação em medicina. Sendo assim, torna-se necessário somar esforços, buscando um trabalho multidisciplinar que proporcione um atendimento/tratamento mais completo ao paciente.

Este ainda é um campo em crescimento tanto em pesquisa como na área clínica e desperta grande curiosidade da população e dos profissionais, além do aumento da demanda motivada por pessoas que buscam uma melhor qualidade de vida e melhor desempenho nas atividades de vida diárias.

*Julia Youssef Kuczynski  (CRP 06/102551) é formada em Psicologia pela PUC-SP. Possui especialização em Psicologia da Saúde e Método Rorschach pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Neuropsicologia pelo Centro de Diagnóstico Neuropsicológico (CDN-UNIFESP). Atua como psicóloga de abordagem psicanalítica e neuropsicóloga em consultório particular, com experiência no atendimento de crianças, adultos e idosos. É também parceira para análises clínicas do escritório Francisco Ramos Advogados Associados.