Artigo: Tentativa de dispensa de licitação em contratação de advogados: quem ganha com isso?

Artigo: Tentativa de dispensa de licitação em contratação de advogados: quem ganha com isso?

*Caroline Narcon Pires de Moraes

Recentemente, verifiquei alguns colegas festejando a menção de que no nosso Estatuto da Advocacia foi inserida a menção de que nossos serviços são “por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada a sua notória especialização”. Trata-se do artigo 3º-A, inserido pela Lei 14.039 de 17 de agosto de 2020.

“Que belo presente no mês do advogado!”, alguns poderiam dizer… Resta saber para quem seria esse presente, já que a referida Lei continua e, aproveitando o ensejo, altera também o artigo 25 do Decreto 9.295, que dispensa a licitação dos serviços profissionais de contabilidade também.

Não é segredo que licitações públicas movimentam valores expressivos, fazem grandes escritórios de advocacia emergir, ganhando na quantidade de cobrança em massa, principalmente – mas não apenas – de Bancos com maioria societária controlada por estatais.

Em uma notícia veiculada pelo do site CONJUR (fonte aqui), foi anunciado que o Banco do Brasil pretendia gastar R$193milhões com advogados em 2015, e agora, quanto seria?

Referido projeto de Lei apresentado na Câmara dos Deputados por Efraim Filho (que é advogado de formação) destinava-se objetivamente a dispensa de licitação pública para contratação de serviços de advogado e contador, por conta da tal “notória especialização” que mais parece uma láurea, mas na verdade não é tão pura e cristalina.

Isto porque, a notória especialização a dispensar a licitação poderia ainda mais aumentar a distância abissal entre os profissionais liberais que diariamente se dedicam para manter a tal “notória especialização”. Contudo, alguns dedicam-se nos bancos acadêmicos, outros tantos, também fomentam essa notoriedade com relações interpessoais influentes.

Conhecer políticos e ter uma boa imagem não é demérito algum. Muito pelo contrário! O demérito, contudo, está em um escritório ser contratado com dinheiro público porque mais conhece políticos do que do ordenamento jurídico que deveria defender. Eis a questão.

Há quem defenda que essa dispensa serve para evitar processos burocráticos, afinal, é possível verificar que um dos últimos editais de contratação de sociedade de advogados para o Banco do Brasil, por exemplo (licitação 2018/00001(4122)) tinha cerca de cinquenta e cinco páginas de complexas exigências. Resta, contudo, saber, se a dispensa destas licitações alterará (ou chancelará) as contratações dos mesmos aprovados.

O entendimento do que seria a “notória especialização jurídica” até então era restrita à posição excepcional daquele profissional, praticamente a míngua de dúvidas quanto ao seu saber reconhecido por todos os demais profissionais, conforme ensina o Ministro Herman Benjamin:

“[…] aquela de caráter absolutamente extraordinário e incontestável, que fala por si. É posição excepcional, que põe o profissional no ápice de sua carreira e do reconhecimento, espontâneo, no mundo do Direito, mesmo que regional, seja pela longa e profunda dedicação a um tema, seja pela publicação de obras e exercício da atividade docente em instituições de prestígio. A especialidade do serviço técnico  está  associada à singularidade, envolvendo serviço específico que reclame conhecimento peculiar do seu executor e ausência de outros profissionais capacitados no mercado, daí decorrendo a inviabilidade da competição. (REsp  448.442/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 24/9/2010).

Contudo, se agora todos somos notórios, nos termos de uma Lei que ainda não veio, como distinguir esse profissional ou sociedade de advogados que foi considerado mais especializado que os demais colegas? Afinal,  de acordo com dados da OAB SP, somos mais de quatrocentos mil profissionais que, segundo a Lei, podem exercer serviço de natureza “técnica e singular”.

Será que a dispensa de licitação irá aumentar ou diminuir ainda mais a concorrência deste verdadeiro mercado seleto da advocacia?

É importante frisar, sem qualquer menção partidária, que o Presidente da República, em janeiro deste ano, chegou a vetar a integralidade desta lei, justamente entendendo que essa dispensa de licitação fere a impessoalidade necessária para gestão destas verbas públicas. Porém, o Congresso derrubou este veto e no mês do advogado fomos presenteados com essa Lei. Resta saber, antes de agradecer, para quem será o presente?

A resposta eu prefiro ainda não externar, mas certamente ela irá ressoar cedo ou tarde, ainda mais considerando que a competitividade do meio jurídico, por muitas vezes, é mais latente do que a defesa de interesses comuns. Infelizmente, enquanto a classe não se unir, os presenteados serão poucos.

*Caroline Narcon Pires de Moraes é sócia do escritório e coordena a área Cível e Contenciosa, tendo como especialidade as vertentes do Direito empresarial, Contratos e Direito de família. Pratica a advocacia artesanal, voltada ao atendimento personalizado dos clientes.